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:::. Artigos Diversos - Nº 04 .:::

 

Democracia no Judiciário

RONIDALVA MELO*

  Durante o mês de junho de 2006, o público de rádio AM que acompanha, todos os sábados, o programa Encontro com a Justiça pela Rádio Capibaribe do Recife pôde participar de uma série de discussões inusitadas, cujos protagonistas foram representantes da Associação dos Magistrados de Pernambuco, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação do Ministério Público do Estado de Pernambuco e da Associação dos Juízes para a Democracia. Embora convidado, o Tribunal de Justiça de Pernambuco não se fez representar.

  O debate teve por objetivo explicar ao público as motivações e situações operacionais que conduziram os juízes do nosso Poder Judiciário a responderem com tanta franqueza as 92 perguntas formuladas pelos pesquisadores Luciano Oliveira e Ernani Carvalho, em pesquisa realizada pela Amepe, acerca do cotidiano do Judiciário, dos anseios desses profissionais e das dificuldades que cercam suas atuações. Como representante da sociedade civil e na condição de mediadora do debate, confesso-me surpreendida com alguns resultados da pesquisa. Particularmente, chamou-me a atenção a disposição de 230 magistrados, distribuídos entre as instâncias e entrâncias do Poder Judiciário, contribuindo para a iniciativa da associação, falando de independência, gerência, deficiências, distorções e, principalmente, da explícita necessidade de participação de todos no planejamento estratégico e definições práticas para uma melhor prestação do serviço jurisdicional.

  No vasto conteúdo pesquisado louvem-se as declarações sobre a necessidade de aperfeiçoamento profissional através de capacitações continuadas, a consciência do prejuízo causado aos serviços de justiça através dos constantes adiamentos de audiências, da inexistência de dados ou petições iniciais incompletas, das deficiências nos serviços das secretarias ou dos oficiais de justiça, da falta de advogados, da situação deficitária da Defensoria Pública ou, no terreno específico da ação penal, da participação do Poder Executivo obstruindo a Justiça, quando não cumpre seu dever de apresentar o réu preso. Exultem-se as respostas de 51% dos juízes que reconhecem o expediente forense de seis horas como forma de dificultar a necessária celeridade dos processos ou a crítica velada à insuficiência de recursos materiais e humanos nas unidades judiciais.

  Revela-se preocupante a evidencia de que 37% dos juízes substitutos são atingidos na garantia da inamovibilidade ou, ainda que involuntariamente, possam servir de instrumento à violação do princípio do juiz natural.Tais fatos se revelam na constatação de que 27% dos magistrados foram removidos sem a observância dos critérios formais estabelecidos na lei. Do mesmo modo, ressalta-se o despreparo gerencial da magistratura, que repercute de modo grave no efetivo exercício da prestação jurisdicional. Intervir em 660 feitos conclusos mensalmente ou administrar um acervo de mais de 2 mil processos, como acontece com 34% dos declarantes sem o auxílio da ferramenta de gestão, afigura-se demasiadamente estafante para o magistrado.

Outro indicador de importância refere-se aos 26% dos entrevistados que consideram as férias de 60 dias incompatíveis com a necessidade dos serviços institucionais e as declarações de que os feriados forenses dificultam o acesso da população, sobretudo mais pobre, ao Judiciário. Parabéns aos 92% dos magistrados que mantêm as portas do seu gabinete abertas e àqueles 69% que, no interior, abrem suas casas para receber advogados. Solidariedade aos que foram vítimas do descumprimento da ordem de classificação dos concursos na hora de assumirem os postos que conquistaram respeitando as regras do jogo. E, principalmente, aplauso aos 91% que clamam por critérios objetivos para a aferição de presteza e merecimento, desprezando a subjetividade que hoje pauta tais escolhas. Reverências especiais aos que afirmaram o prestígio aos cargos de carreira, em detrimento dos famosos cargos comissionados, no âmago do Poder Judiciário.

  Se considerarmos que toda essa fleuma de consciência que transpassa os juízes é um evidente sinal tanto do avanço das práticas democráticas no cotidiano desse Poder como de esperança em um Judiciário atento aos clamores do povo e colocado a seu serviço, poderemos falar de uma onda de democratização que se alevanta, abrindo o Judiciário para a prática republicana comprometida com a justiça social, e isso não é só sinal de tempos democráticos, é também e, principalmente, uma vitória da cidadania.

*Ronidalva Melo é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

Fonte: Artigo publicado no Jornal do Commercio do dia 14/09/2006

 

 

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